terça-feira, julho 12, 2005

“Mojarte”

Sobre o comprometimento da arte com o quotidiano ou a “realidade”, entre outras questões poder-se-á perguntar como pode um artista fazer uma política de olhar para o lado ou para um si próprio auto-contemplativo, quando à sua volta...
Claro que nada obriga um artista a “politizar” o seu discurso e que certos trabalhos não sendo muito políticos tocam aspectos essenciais. O que quero dizer é que numa Europa em crise, então olhando para o panorama português... talvez haja demasiado pouca politização dos discursos e não deverá ser por falta de motivos. Sintomático.
No final de 2002 entrevistei Rodrigo Garcia, encenador da La Carniceria Teatro (Madrid). Na altura, a companhia estava em residência artística em Montemor-o-Velho (Citemor). Aqui deixo um excerto, que vai ao encontro do que penso sobre o assunto, pena é que não haja um termo tão directo em português como o “mojarte” do castelhano.
“Pergunta – Disse a um jornal português que não pretendia ser didáctico, no entanto, há nas suas obras uma lógica de confrontação da qual não se pode sair indiferente. Afinal, o que pretende?
Resposta- Não é possível dizer o que pretendo numa só resposta. Olhe, não quero ser didáctico, ou seja, explicar que há uma fórmula ou uma boa interpretação de um acontecimento porque, é óbvio, que os acontecimentos têm milhares de interpretações. Mas, contudo, pretendo ser claro, muito claro. O que em Espanha vulgarmente dizemos “mojarte” 1. Quando alguém se “moja” é porque está a expressar a sua opinião sobre um assunto concreto. Na minha obra não há ambiguidades... há zonas de insinuação, mas ainda assim é fácil perceber a minha linha de pensamento. Não é um momento histórico para se ser negociador e sabe porquê? Porque hoje quase ninguém pode viver sem negociar e sem dizer toda a verdade, em nome de “manter o emprego”, “manter a família”, “conseguir ou não perder o apoio institucional”, “não se dar mal com os meios de comunicação”. Muita gente renuncia aos seus ideais e o seu pensamento debilita-se, tornando-se cada vez mais uniforme. Aparece o consenso como ideia de civilização. Para mim, é de desumanização. Civilizar pode ser desumanizar”
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1 Dizer a verdade custe o que custar. Abrir-se. Mostrar-se. Arriscar-se.

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